PL Anti-Bullying

Segue meu Projeto de Lei protocolado na Câmar desde o ano passado que visa combater o Bullying:

PROJETO DE LEI

Dispõe sobre o desenvolvimento de
 política “antibullying” por instituições de ensino
 e de educação infantil, públicas ou privadas, com ou
sem fins lucrativo, no âmbito do município de Passo Fundo.

Art. 1º As instituições de ensino e de educação infantil, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, desenvolverão política “antibullying”, nos termos desta Lei.

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se “bullying” qualquer prática de violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, entre pares, que ocorra sem motivação evidente, praticada por um indivíduo ou grupo de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidar, agredir fisicamente, isolar, humilhar, ou ambos, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

§ 1º Constituem práticas de “bullying”, sempre que repetidas:

I – ameaças e agressões físicas como bater, socar, chutar, agarrar, empurrar;

II – submissão do outro, pela força, à condição humilhante;

III – furto, roubo, vandalismo e destruição proposital de bens alheios;

IV – extorsão e obtenção forçada de favores sexuais;

V – insultos ou atribuição de apelidos vergonhosos ou humilhantes;

VI – comentários racistas, homofóbicos ou intolerantes quanto às diferenças econômico-sociais, físicas, culturais, políticas, morais, religiosas, entre outras;

VII – exclusão ou isolamento proposital do outro, pela fofoca e disseminação de boatos ou de informações que deponham contra a honra e a boa imagem das pessoas; e

VIII – envio de mensagens, fotos ou vídeos por meio de computador, celular ou assemelhado, bem como sua postagem em “blogs” ou “sites”, cujo conteúdo resulte em sofrimento psicológico a outrem.

§ 2º O descrito no inc. VIII do § 1º deste artigo também é conhecido como “cyberbullying”.

Art. 3º No âmbito de cada instituição a que se refere esta Lei, a política “antibullying” terá como objetivos:

I – reduzir a prática de violência dentro e fora das instituições de que trata esta Lei e melhorar o desempenho escolar;

II – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito aos demais;

III – disseminar conhecimento sobre o fenômeno “bullying” nos meio de comunicação e nas instituições de que trata esta Lei, entre os responsáveis legais pelas crianças e adolescentes nela matriculados;

IV – identificar concretamente, em cada instituição de que trata esta Lei, a incidência e a natureza das práticas de “bullying”;

V – desenvolver planos locais para a prevenção e o combate às práticas de “bullying” nas instituições de que trata esta Lei;

VI – capacitar os docentes e as equipes pedagógicas para o diagnóstico do “bullying” e para o desenvolvimento de abordagens específicas de caráter preventivo;

VII – orientar as vítimas de “bullying” e seus familiares, oferecendo-lhes os necessários apoios técnico e psicológico, de modo a garantir a recuperação da auto-estima das vítimas e a minimização dos eventuais prejuízos em seu desenvolvimento escolar;

VIII – orientar os agressores e seus familiares, a partir de levantamentos específicos, caso a caso, sobre os valores, as condições e as experiências prévias – dentro e fora das instituições de que trata esta Lei – correlacionadas à prática do “bullying”, de modo a conscientizá-los a respeito das conseqüências de seus atos e a garantir o compromisso dos agressores com um convívio respeitoso e solidário com seus pares;

IX – evitar tanto quanto possível a punição dos agressores, privilegiando mecanismos alternativos como, por exemplo, os “círculos restaurativos”, a fim de promover sua efetiva responsabilização e mudança de comportamento;

X – envolver as famílias no processo de percepção, acompanhamento e formulação de soluções concretas; e

XI – incluir no regimento a política “antibullying” adequada ao âmbito de cada instituição.

Art. 4º As instituições a que se refere esta Lei manterão histórico próprio das ocorrências de “bullying” em suas dependências, devidamente atualizado.

Parágrafo único. As ocorrências registradas deverão ser descritas em relatórios detalhados, contendo as providências tomadas em cada caso e os resultados alcançados, que deverão ser enviados periodicamente à Secretaria Municipal de Educação.

Art. 5º Para fins de incentivo à política “antibullying”, o Executivo Municipal:

I – promoverá seminários, palestras, debates;

II – distribuirá cartilhas de orientação aos pais, alunos e professores;

III – recorrerá à contribuição de especialistas no tema;

IV – apoiar-se-á nas evidências científicas disponíveis na literatura especializada e nas experiências exitosas desenvolvidas em outros países.

Art. 6º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 7º Na regulamentação desta Lei, serão estabelecidas as ações a serem desenvolvidas e os prazos a serem observados para a execução da política “antibullying”.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

O termo inglês “bullying” não possui tradução em língua portuguesa. Seu significado complexo tem, no mais, desautorizado as tentativas de substituição já tentadas em outros idiomas, porque as expressões escolhidas não são equivalentes e terminam por reduzir o fenômeno que a expressão original pretende referir.

Bullying deriva de “bully” (valentão, brigão) e denota um tipo especial de violência muito comum nas interações entre pares, especialmente entre crianças e adolescentes nas escolas, que consiste na imposição de violência física ou psicológica, de forma repetida, sem motivação aparente, em relações de desequilíbrio de poder. Uma briga eventual ou práticas isoladas de violência não constituem bullying.

Para que o fenômeno se verifique é preciso que as vítimas sejam “selecionadas” pelos agressores, que passam, então, a infernizar suas vidas com a repetição das agressões ou das condutas que lhes impõe sofrimento físico ou psíquico.

Nas práticas de bullying, se identifica uma espécie de tirania quase sempre invisível sobre as vítimas, que costumam ser mais frágeis fisicamente, ou menos influentes ou poderosas que os agressores.

Em todo o mundo, as preocupações com o fenômeno já são bastante fortes há cerca de trinta anos. Atualmente, a grande maioria das escolas européias, americanas, canadenses ou australianas possui “abordagens antibullying”. Em verdade, os governos dessas e outras nações, cientes da gravidade do fenômeno e de sua impressionante extensão, têm formulado políticas públicas específicas para a prevenção, amparadas nas evidências científicas colhidas em pesquisas de campo.

No Brasil, o tema tem despertado uma atenção crescente, mas os governos ainda não foram sensibilizados para a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas específicas. Raras são as iniciativas que apontam para outra postura, e o desconhecimento sobre o bullying segue sendo a regra. No Rio Grande do Sul, algumas cidades já desenvolvem iniciativas importantes de prevenção ao bullying, ainda que sem um marco legal definido. O exemplo mais expressivo talvez seja a abordagem antibullying que vem sendo desenvolvida pelo Município de São Leopoldo, já há alguns anos.

Em alguns estados da Federação, como em São Paulo, há projetos de lei tramitando sobre o tema, mas não temos notícia de qualquer lei específica que tenha impulsionado política pública sobre o tema em nosso País. Também por conta disso, a iniciativa deste Projeto de Lei possui um sentido pioneiro. Na hipótese de sua aprovação, Porto Alegre será uma das primeiras cidades brasileiras a contar com uma legislação antibullying, o que, por certo, estimulará muitas outras iniciativas semelhantes.

Em que pese a enorme gama de dados e evidências já colhidas por uma forte tradição de pesquisas em todo o mundo sobre o tema, o Brasil possui pouca produção científica sobre bullying. Entre as pesquisas pioneiras sobre o tema em nosso País, destaca-se o trabalho da professora Cleo Fante. Mais recentemente, o professor e ex-deputado Marcos Rolim realizou pesquisa sobre a realidade do bullying em uma escola estadual de Porto Alegre, encontrando evidências impressionantes sobre a gravidade do problema. Nesse estudo, 84% dos alunos da escola foram atingidos por algum tipo de prática violenta durante o ano escolar, sendo que, desse total, 47,13% sofreram cinco ou mais agressões no mesmo período, “ponto de corte” escolhido pelo autor para caracterizar a repetição e, portanto, a ocorrência de bullying.

No universo das vítimas de bullying na escola onde se realizou o estudo de caso, 87% foram ameaçadas, 75,3% foram agredidas fisicamente, 69,4% foram ridicularizadas e 37,6% foram vítimas de agressões de natureza sexual. O tema está vinculado diretamente ao desempenho e à evasão escolares. Vítimas de bullying costumam enfrentar problemas muito sérios na escola e, por conta do sofrimento a que estão expostas diariamente, se ausentam com mais freqüência das aulas. Uma parte delas se evade e desiste de prosseguir com seus estudos.

Números divulgados no início de agosto de 2004 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC) demonstraram que a rejeição que alguns estudantes sofrem na sala de aula, por parte dos colegas ou dos professores, tem significativo impacto no desempenho escolar. A média de rendimento dos alunos que se sentem “deixados de lado” na turma fica abaixo da obtida por aqueles que não vivenciam a mesma situação. Os dados constam do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e revelaram, pela primeira vez no Brasil, a influência da rejeição e da amizade em sala de aula no desempenho do estudante. Na quarta série, 13% dos alunos declaram se sentir “deixados de lado” na sua turma; outros 34% afirmam que essa situação ocorre de vez em quando; para 52%, não há rejeição; e 1% não respondeu. Entre o conjunto de estudantes que dizem sempre se sentir “deixados de lado” na sala de aula, a média foi de 145,3 na prova de Língua Portuguesa do SAEB, de 2003, enquanto a pontuação dos que declararam nunca terem sido rejeitados na turma chegou a 178,5, ou seja, 33,2 pontos a mais. Em Matemática, a diferença foi de 29,4 pontos (185,2 a 155,8).

Os especialistas nas áreas das ciências da saúde têm sublinhado muitas das conseqüências danosas da experiência com bullying. O médico Lopes Neto, por exemplo, chama a atenção de seus colegas pediatras para alguns sintomas que podem ser identificados em vítimas de bullying, destacando: enurese noturna, alterações do sono, cefaléia, dor epigástrica, desmaios, vômitos, dores em extremidades, paralisias, hiperventilação, queixas visuais, síndrome do intestino irritável, anorexia, bulimia, isolamento, tentativas de suicídio, irritabilidade, agressividade, ansiedade, perda de memória, histeria, depressão, pânico, relatos de medo, resistência em ir à escola, insegurança por estar na escola, mau rendimento escolar e atos deliberados de auto-agressão. Para esse autor, “reduzir a prevalência de bullying nas escolas pode ser uma medida de saúde pública altamente efetiva para o século XXI”, sendo que os pediatras podem oferecer uma contribuição importante à prevenção do bullying:

Como consultores em escolas, atuando nos departamentos de segurança pública ou em associações comunitárias, os pediatras devem esclarecer sobre o impacto que o bullying pode provocar sobre as crianças, adolescentes e escolas e indicar a importância de criar ambientes onde sejam valorizados a amizade, a solidariedade e o respeito à diversidade.

Segundo Rolim, a criminologia moderna identifica a prática de “bullying” também como fator de risco importante para comportamentos anti-sociais e delinqüentes. Os agressores possuem uma maior tendência ao uso de drogas e ao abuso do álcool, à evasão e ao engajamento em comportamentos criminais.

Muitos estudos já encontraram evidências de que os autores de “bullying” tendem a diversificar a forma agressiva como usam seu poder para as práticas de constrangimento e agressão sexual. Ao mesmo tempo, pesquisa nacional de vitimização nos EUA com adolescentes, em 2001, ofereceu fortes elementos para a conclusão de que a experiência de vitimização por “bullying” está estreitamente vinculada às possibilidades de vitimização mais amplas por práticas definidas como criminosas.

Os resultados mostraram que os estudantes que haviam relatado terem sido vítimas de “bullying” apareciam pelo menos duas vezes mais entre as vítimas de sérios atos de violência como estupro, agressão sexual e roubo, quando comparados com seus colegas que não haviam sido atingidos pelo “bullying”. Estudo longitudinal com 5.288 adultos de diferentes profissões encontrou uma relação significativa entre as experiências de vitimização por “bullying” nas escolas e episódios recentes de vitimização no ambiente de trabalho. Na correlação observada, os adultos com maior risco de vitimização foram aqueles que desempenharam o papel de vítimas e autores de “bullying”, seguidos pelos que foram exclusivamente vitimados.

Nos EUA, sabe-se que cerca de 60% dos garotos que são autores de “bullying”, entre a sexta e a nona séries, são condenados por pelo menos um crime até a idade de 24 anos. Mais dramático ainda: sabe-se que 40% deles terão 3 ou mais condenações quando alcançarem esta idade. (...) estudo longitudinal coordenado por Olweus encontrou que meninos suecos autores de “bullying” entre a sexta e a nona séries possuem 4 vezes mais chances de alcançarem uma condenação criminal ou terem um registro oficial de crime do que os seus colegas.

O mesmo autor sustenta que os estudos mais recentes sobre crianças vitimadas por bullying têm lidado com a “hipótese do ciclo da violência”. O tema ressurge com força, por exemplo, no debate sobre os suicídios das vítimas. Sabe-se que crianças e adolescentes vítimas de bullying possuem mais chances de sofrer com altos níveis de estresse, ansiedade, depressão e doenças, além de terem maior tendência ao suicídio. Em vários países, como na Noruega, na Inglaterra, no Japão e também no Brasil, há registros de casos de crianças e adolescentes que se suicidaram, aparentemente por conta de vitimização severa por bullying.

Tais casos não são conclusivos, já que fenômenos como o suicídio são informados por múltiplos fatores. Nesse particular, ganha relevo o trabalho de Rigby e Slee, que, entre 1993 e 1996, realizaram, na Austrália, vários estudos de auto-relatos (self-report studies) com adolescentes a respeito de ideações suicidas e tentativas de se ferir, encontrando forte correlação com relatos dos jovens envolvidos com bullying, como vítimas e como autores.

No Brasil, estudo recente em uma escola de Goiás, identificou forte presença da ideação suicida nos relatos de adolescentes vitimados pelo bullying. Estudo realizado com 410 adolescentes entre 14 e 16 anos, na Finlândia, mostrou uma forte prevalência de casos de depressão e forte ideação suicida entre vítimas e autores de bullying. Os jovens que eram, ao mesmo tempo, vítimas e autores possuíam maior tendência à depressão. Uma vez controlados os sintomas da depressão, a ideação suicida era mais freqüente entre os autores do que entre as vítimas.

Estudo realizado no ano de 2000, na Coréia, com 1.718 estudantes de duas escolas secundárias, em Seul e Anyang, encontrou que os adolescentes que relataram algum envolvimento com bullying – especialmente as meninas e os que eram vítimas e autores – possuem riscos de suicídio significativamente mais altos e devem ser monitorados por profissionais de saúde em trabalho de prevenção.

Inúmeros são também os estudos que sugerem forte correlação entre a vitimização por bullying e os massacres em escolas, especialmente nos Estados Unidos. Nesses casos, os jovens responsáveis pelos disparos que vitimaram colegas e professores em dezenas de tragédias foram identificados, com muita freqüência, como pessoas tímidas, isoladas socialmente e como vítimas de bullying na escola.

Trabalhos do tipo têm comprovado, enfim, aquilo que os estudiosos do tema têm sustentado há muitos anos: os efeitos do bullying podem mesmo ser devastadores. Por conta dessa importância e por tudo aquilo que podemos estimular com uma legislação específica que comprometa o Poder Público Municipal a desenvolver uma política de prevenção ao bullying, pela oportunidade que nossos professores, alunos e pais terão de debater o tema e pelas possibilidades reais de se prevenir a violência, a intolerância, o preconceito e todas as repercussões de sofrimento e humilhação decorrentes, solicito dos demais Membros desta Casa a atenção à matéria e o empenho de todos para que este Projeto de Lei possa ser amplamente debatido, aperfeiçoado e aprovado.